Como vendemos milhões de reais em cartões de visita para dentistas
Essa é a história mais legal que você vai ler hoje: como vendemos milhões de reais de cartões de visita digitais para médicos e dentistas logo depois de recebermos uma notificação extra-judicial.
Tempos antigos
Em 2014, quando o mundo de startup era só mato, eu e meu sócio Vitor levantamos investimento-anjo e fundamos um treco chamado Spotshopp. O Spotshopp era um aplicativo que detectava em qual shopping você estava e mostrava na tela do celular as melhores ofertas daquele shopping.
Ideia ruim. Boa parte dos brasileiros vai ao shopping pra passear e não pra comprar. Shoppings não querem que você encontre as melhores ofertas, eles querem que você fique zanzando pra gastar mais. Já percebeu que o cinema e a praça de alimentação ficam no último andar e não na entrada, né? Isso é pra você ter que olhar todas as vitrines antes de comer ou assistir um filme.
Lançamos, trabalhamos durante 2 anos no projeto mas não tivemos tração suficiente. Resolvemos fechar e nossos investidores ameaçaram processar a gente. No dia do meu aniversário eu recebi uma notificação extra-judicial avisando que tínhamos 15 dias para devolver todo o dinheiro se não tomaríamos um processo. Eu recebi essa carta na minha casa, ao redor de 10 amigos, às 20h, preparando pra ir viajar e comemorar meu aniversário.
Coincidências da vida
Mas olha só como tudo se conecta. Na semana seguinte, eu fui no médico resolver um problema no nariz. Chegando lá eu percebi que a imagem de perfil do WhatsApp da secretária era uma foto de um papel escrito: nome do médico, email, endereço e dados bancários. Uma coisa horrível. Perguntei pra ela o porquê disso e ela me disse que era mais fácil do que ficar escrevendo essas informações pra cada paciente, um por um.
No dia seguinte eu falei pro Vitor, meu sócio há 8 anos e CEO da Faster: “olha que porcaria, será que não tem um jeito melhor de resolver isso?”. Um dia depois ele me vêm com uma solução milagrosa: um cartão de visitas digital personalizado em formato de PDF para médicos que imitava um aplicativo. As secretárias poderiam enviar esse cartão e os pacientes não só leriam as informações, como poderiam clicar nos links para abrir o Maps/Waze, enviar email, fazer ligação e etc.
Era mais ou menos isso aqui:
Vendemos o primeiro cartão por R$ 250 pra minha mãe, que é psiquiatra. Ela espalhou pros amigos e vendemos mais 3. Os amigos espalharam pros amigos, que espalharam para os amigos, que espalharam para os amigos. E por aí foi: a coisa viralizou. Dentistas e médicos entravam em contato com a gente diariamente pedindo esses cartões e algumas semanas depois a gente recebia tanta mensagem que tivemos que comprar dois celulares só pra responder. Pagamos nossa dívida inteira com os investidores. Batizamos essa empresa de PopCards.
O que esses médicos e dentistas viam nesse cartão? Eles ficavam fascinados porque acreditavam que era alguma tecnologia avançada que tinham o privilégio de usar antes de todo mundo (e economizava tempo deles e da secretária).
Aí a gente se perguntou: como escalar e não depender dessas indicações? Criamos um member-get-member: dávamos 2 reais de desconto pra cada contato de colegas que o cliente passasse pra gente. Como médicos e dentistas tem muitos colegas e participam de muitos grupos, a estratégia deu muito certo. Nosso custo por lead era 2 reais e nosso LTV era mais de 250 (se isso fosse uma startup B2B já teria feito IPO, risos).
Precisávamos agora de um jeito de não depender de member-get-member, mas montar uma forma muito mais previsível gerar receita. Olha a maluquice que a gente fez: tem um site no Brasil que mostra o nome e telefone de milhares e milhares de profissionais da saúde. Escrevemos um script que puxava essas informações, planilhava, salvava num CSV e jogava no WhatsApp. Voilá: milhares de leads com custo de aquisição zero.
Com esses contatos em mãos, mandávamos milhares de spams direto no WhatsApp de médicos e dentistas oferecendo cartões virtuais e outros materiais de design. Era 2017 e receber spam no WhatsApp era muito raro.
Escalando (porque a alma startupeira não sai de você)
Logo depois, a gente percebeu que esses médicos e dentistas não precisavam só desses cartões, eles queriam identidades visuais para as clínicas, apresentações para as aulas, vídeo-animações e posts para redes sociais. E não tinha nenhum player grande pra vender essas coisas pra eles. Eles não entendiam nada de design, mas entendiam de WhatsApp porque ficavam o dia inteiro no aplicativo.
Criamos uma agência de design que operava 100% via WhatsApp, rebatizamos a empresa de PopMarketing e montamos um time com 30 pessoas talentosíssimas, duas delas que estão com a gente até hoje. Queríamos criar a maior agência de design em massa e escala do Brasil.
Vendemos mais ou menos R$ 2 milhões de reais de cartões de visita virtuais para mais de 8 mil profissionais autônomos no Brasil todo, além de mais de 2.000 projetos de design variados para médicos e dentistas.
Como operávamos via WhatsApp, nosso time de atendimento recebia muitos áudios (médico adora enviar áudio). Por diversão, eu tive a ideia de fazer uma coletânea de sotaques brasileiros e comecei a salvar esses áudios em pastinhas no Drive, divido por estado e cidade. Infelizmente eu perdi essa pasta.
Aí veio um problemão: a eleição Jair Bolsonaro vs. Fernando Haddad. Para tentar travar a disseminação de fake news, o WhatsApp diminui o número de mensagens que você podia enviar manualmente de 256 para 5. Isso travava completamente nosso modelo e nossos vendedores só podiam enviar 5 mensagens por vez. O que levava 10 minutos pra fazer, agora levava 1 hora.
Não só isso, mas o Meta criou um algoritmo pra entender quais contas costumam enviar spam. Em algumas semanas, todos os nossos chips foram bloqueados e perdemos nosso único canal de aquisição previsível. Olha só a quantidade de chips:
Aí veio outra ideia: usar mídia paga para vender os cartões pelo Instagram. Criamos um perfil, uma arte tosca e um CTA que levava para o WhatsApp dos nossos vendedores. Deu muito certo. Durante alguns meses, para cada real investido em mídia, voltavam outros 5 a 10.
O modelo chamou tanta atenção que virou uma competição quase perfeita. Dezenas de perfis no Instagram copiavam exatamente o que a gente fazia, do criativo ao copy. Dá uma olhada abaixo:
Com essa competição, o preço do cartão foi descendo de 250 pra 200, de 200 pra 150 e quando percebemos, precisávamos vender o dobro de cartões pra faturar a mesma coisa. Isso era meados de 2019.
Pra contornar o problema tentamos fazer várias coisas: vender outros projetos de design, dessa vez pra empresas, aumentar a equipe comercial, contratar um especialista em mídia pra melhorar a performance das campanhas. Nada funcionou. A empresa parou de dar lucro e aprendemos uma das maiores lições da nossa carreira: jamais escale uma empresa sem receita recorrente.
Aí em fevereiro de 2020 veio a pandemia. Mais de 80% dos nossos clientes eram profissionais da saúde. Por meses, eles fecharam os consultórios, pararam de ganhar dinheiro e consequentemente pararam de comprar nossos produtos. Fomos de uns R$ 120.000,00 de faturamento mensal para menos de R$ 20.000,00. E aí começa começa o segundo capítulo da nossa história: Mergulhando na escuridão, e você pode ler ela aqui.